quando nos tornamos árvore
no jardim de hilda
entendi o amor dos bonobos
meu útero awareté
e tudo aquilo que deixamos de tocar
quando colonizamos as estrelas:
o corpo de criança
o canto fluido do rio
os dedos áridos nos últimos galhos da figueira a região mineral nua
aquilo que tem olhos
e está vivo
sob os nossos pés
_algo sem nome que não perdemos
porque sequer fomos capazes de ganhar
depois de tornar-me árvore
entendi que toda árvore é ninho
e que quando inventamos o tempo
para controlar aquilo que nos rege a vida
esquecemos de escutar o tempo
de respiração da pedra
esquecemos de cuidar da escrita dos gravetos sobre a pele
esquecemos que tem mais céu no chão
do que no próprio céu
e então que o mundo da árvore desconhece a pornografia
mas conhece que toda encosta precisa de raiz penetrar tudo
de água por tudo
de tudo espalhar sobre tudo
de tudo comungar com tudo
só pra não deixar de existir
reunir aquilo que resta quando já tudo foi retirado. aquilo que é fragmento, mas que também é inteiro e ocupado por intensidades. juntar estes corpos que são a própria materialidade do desejo em seu fluxo, toda infância atualizada, sem antes nem depois. fragmentos inteiros das contrações de deus sobre o tempo e sobre o corpo. recolher aquilo que se estende como arte e memória do corpo que se estende como arte. dar acolhimento ao corpo sem rosto & sem sujeito, sem fim nem começo, esse sujet-trouvé como uma dobra do objet-trouvé surrealista: ready mades carnais que se esbarram e encontram na noção de perda as ações que os definem. amontoar os corpos e suas operações residuais, os pedaços que são inteiros em suas deformidades. afirmação da ausência de fim. alçar o corpo que se inscreve no real dos corpos, produto de si próprio que dá sentido à existência. o corpo estendido como escrita, como verso, como unha, como sêmen, como dente, como dor, como olhar. recolher o que parece resto, roubar o nome das coisas e dar a elas o infinito titular de que são feitas. e convocar sua potência autoprodutiva não apenas como uma afirmação estética, mas como uma confirmação erótica, como confirmação da vida. esse corpo, esse resto, essa extensão de corpo, esse fragmento que é inteiro, esse pacote de intensidades sem de nem para onde, essa chance de realidade: o lugar de resistência na vida e na arte. acumular esse natural prolongado na porosa interface entre a arte e a vida. o corpo resto do corpo como seu próprio suporte e reflexo de alguma condição humana e como a experiência da expansão de si. juntar o não estanque.
e reparar que seu corpo
tem dois centros gravitacionais
e quando do umbigo o céu estiver coalhado de estrelas
vão dizer que está errado
que a disposição dos astros é equivocada
que a luz tem um tempo diferente
desse que você percebe
“que a gente pode fazer tudo o que quiser”, você diz
enquanto o beijo metálico
alterna com a temperatura
do abalo sísmico.
“Love, of course, makes signs and is always mutual.
I put forward that idea a long time ago, very gently, by saying that feelings are always mutual. I did so in order to be asked, ‘Then what, then what, of love, of love—is it always mutual? But of course, but of course!’ That is why the unconscious was invented—so that we would realize that man’s desire is the Other’s desire, and that love, while it is a passion that involves ignorance of desire, nevertheless leaves desire its whole import. When we look a bit more closely, we see the ravages wreaked by this.
Jouissance—jouissance of the Other’s body—remains a question, because the answer it may constitute is not necessary. We can take this further still: it is not a sufficient answer either, because love demands love. It never ceases demanding it. It demands it. . . encore. Encore is the proper name of the gap in the Other from which the demand for love stems.
Where then does what is able, in a way that is neither necessary nor sufficient, to answer with jouissance of the Other’s body stem from?
It’s not love. It is what last year, inspired in a sense by the chapel at Sainte-Anne Hospital that got on my nerves, I let myself go so far as to call l’amur.
L’amur is what appears in the form of bizarre signs on the body. They are the sexual characteristics that come from beyond, from that place we believed we could eye under the microscope in the form of the germ cell—regarding which I would point out that we can’t say that it’s life since it also bears death, the death of the body, by repeating it. That is where the encorps comes from. It is thus false to say that there is a separation of the soma from the germ because, since it harbors this germ, the body bears its traces. There are traces on l’amur.
But they are only traces. The body’s being is of course sexed, but it is secondary, as they say. And as experience shows, the body’s jouissance, insofar as that body symbolizes the Other, does not depend on those traces.
That can be gathered from the simplest consideration of things. Then what is involved in love? Is love—as psychoanalysis claims with an audacity that is all the more incredible as all of its experience runs counter to that very notion, and as it demonstrates the contrary—is love about making One? Is Eros a tension toward the One?
People have been talking about nothing but the One for a long time. There’s such a thing as One. I based my discourse last year on that statement, certainly not in order to contribute to this earliest of confusions, for desire merely leads us to aim at the gap where it can be demonstrated that the One is based only on the essence of the signifier. I investigated Frege at the beginning, of last year’s seminar, in the attempt to demonstrate the gap there is between this One and something that is related to being and, behind being, to jouissance. I can tell you a little tale, that of a parakeet that was in love with Picasso. How could one tell? From the way the parakeet nibbled the collar of his shirt and the flaps of his jacket. Indeed, the parakeet was in love with what is essential to man, namely, his attire. The parakeet was like Descartes, to whom men were merely clothes . . . walking around. Clothes promise debauchery when one takes them off. But this is only a myth, a myth that converges with the bed I mentioned earlier. To enjoy a body when there are no more clothes leaves intact the question of what makes the One, that is, the question of identification. The parakeet identified with Picasso clothed.
The same goes for everything involving love. The habit loves the monk, as they are but one thereby. In other words, what lies under the habit, what we call the body, is perhaps but the remainder I call objet a.
What holds the image together is a remainder. Analysis demonstrates that love, in its essence, is narcissistic, and reveals that the substance of what is supposedly object-like—what a bunch of bull—is in fact that which constitutes a remainder in desire, namely, its cause, and sustains desire through its non-satisfaction, and even its impossibility. Love is impotent, though mutual, because it is not aware that it is but the desire to be One, which leads us to the impossibility of establishing the relationship between ‘them-two.’ The relationship between them-two what?—them-two sexes.”
e nele eu mergulho o pano de espremer sobre seus cabelos
e aparo com tesoura cega os centímetros mortos de dias tão felizes
à direita um bezerro morre
à esquerda o Jatobá rebrota
tudo sobra sobre o chão gramado
que devolve banha como sabão & espuma
para a água tudo volta:
a mão, o pano, a lâmina [tão íntima da virilha e
que agora cumpre seu ofício sobre o rosto
marcado pelo infinito azul-pesado do céu]
atrás está tudo
à frente o medo laranja no horizonte
e esplende em nossa silueta atlântica
de nuca fresca e pele lisa e seca
como o avesso de um balde
quando vejo seu rosto, azul,
lembro de quando era criança
& brincava de desmaiar
no ginásio da escola
cabeça contra parede
polegar sobre jugular
prende o ar e solta
até a paisagem granular crianças
no autoenforcamento lúdico das horas
na falta de contorno dos corpos infantis
na experiência-limite
do nada
quando vejo seu corpo, azul,
lembro de quando era criança
& brincava de desmaiar
no banheiro de casa
escorria para o fundo do rio
até não mais sentir as veias;
era lançada para fora do carro
em alta velocidade
até perder as veias para o asfalto;
esperava, pacientemente, de quatro,
os chutes de meu avô
[pai de meu pai]
nas costelas
até o camuflar do corpo
na calçada;
no escuro do quarto
tudo tem
contornos de abismo
mas por um instante lembrar
a conta-gotas
e com os olhos desbotados
os fragmentos do dia,
e ir compondo o mosaico dos tempos
no descolar das pálpebras,
e ir lembrando que nada
é mais dilacerante
do que a própria vida
ou do que a vida
sob a luz coada pelas copas
do jardim.
“… O que acontece é que o homem quando goza, quando ejacula, consegue ver e pegar o seu gozo; ele sabe que ali está o seu espermatozóide, ele consegue, de certa forma, vê-lo e tocá-lo. Isso é a produção de um instante, a materialização desse instante. Já a mulher, quando goza, não; ela não consegue ver o que goza para além de um suposto fluido que funciona como um tipo de representação do que ela goza, embora saiba como e porque goze, tanto quanto o homem, naquele lugar. Essa diferença é basicamente o que funda a questão do sacrifício feminino que atravessa os tempos. A facilidade de a mulher perder-se no desejo do outro é porque o homem conhece o produto de seu gozo, mas ela só conhece _ou só consegue ver_ o produto do gozo do outro.”
quando olho as rugas macias
de minhas mãos de bebê
dedos gordinhos: eu os perdi
, mas ao mesmo tempo nem
perda ou ganho ou
apenas a vontade
truculentazinha
de a vida se estender com
seus ônus e o ônus sobre
as tão [ir]reconhecíveis
mãos infantis
que nunca existiram
para mim.
um verso preto
distende
um peso errado
no corpo
das vacas erguidas na água
para salvar o mundo de sua própria graduação católica
enquanto sua tenra voz mediterrânea
chega lavada
cinco horas mais cedo
filtrada pela diversidade atlântica
alegrias marítimas dejetos profundezas
jasmim amarga.
espelho trincado no teto :
estou sobre mim
sem o peso de mim
alienada de mim
com estrias de vidro em meu sexo
com todas as deformações precisas
lapidando meus acidentes
em mim;
mamilos rachados
lábios rajados
olhos estilhaçados
e toda a violência delicada
das cicatrizes de prata
que vejo em seu corpo
a desenham em mim
_você está
alucilancinante
com os membros desencontrados
em sua cartografia
bellmeriana
: você flutua
quebradiça
laceradinha
e tudo o que vejo
entre nós duas
é a falta
de nós duas
a circunscrever
o ar.
deitei nas costas um lugar
declínio
e vi um homem
com seu bigode de penas
suturar a paisagem de meu corpo
no côncavo dos dias
mais intermináveis
de minha vida.
ser um centro sem contorno à periferia de seus olhos me deu tantas alegrias quanto tristezas inscritas no corpo. dicotomia própria de nossas ambivalências, embora tudo o que tenha sobrado, tudo o que tenha sobrado de nós dois sejam fraturas e letras destiladas em segredo. hoje nenhuma lembrança será bálsamo nem a cumplicidade será renovada na sombra acústica dos órgãos. puxamos as pontas do laço para inaugurar novas casas e, voilà, o que parecia irreversível reverteu-se. assim como a sombra de qualquer pacto, que se dilui. agora só tenho luvas para os dias de faxina, pois a vida como um pronome demonstrativo foi neutra como os melhores produtos de limpeza.
um beijo,
[il y a{vait] ceci”
[IN: A verdade antes da morte – reflexões sobre a vida na terra. José Aquiles Pinto, Edições Ousadas, 2006. pág 69]
Derrida respondeu, em 1988, na revista italiana Poesia de número 50.
“… El corazón. No el corazón en media de las frases que circulan sin riesgo por las distribuidoras de rutas y que se dejan traducir en todos los idiomas. No simplemente el corazón de los archivos cardiográficos, el objeto de los saberes o las técnicas, de las filosofías y de los discursos bio-ético-jurídicos. Quizá tampoco el corazón de las Escrituras o de Pascal, ni incluso, lo que no es tan seguro, el que Heidegger prefiere antes que aquellos. No, una historia de «corazón» poéticamente envuelta en la expresión «apprendre par coeur» [aprender de memoria], la de mi idioma o la de otro la inglesa (to learn by heart), o aun la de otro, la árabe (hafiza a’n zahri kalb) _un solo trayecto de múltiples vías.”
…
“La astucia de la conminación puede antes que nada dejarse inspirar por la simple posibilidad de la muerte, por el peligro que un vehículo le hace correr a todo ser finito. Oyes venir la catástrofe. Desde entonces impreso en el mismo rasgo, venido del corazón, el deseo de lo mortal despierta en ti el movimiento (contradictorio, me sigues bien, doble obligación, coacción aporética de proteger del olvido eso que al mismo tiempo se expone a la muerte y se protege _en una palabra, la habilidad, la retirada del erizo, como un animal hecho un ovillo en la autopista. Uno querría tomarlo entre las manos, aprenderlo y comprenderlo, guardarlo para sí, próximo a sí.”
…
“Así surge en ti el sueño de aprender par coeur. De dejarte atravesar el corazón por el dictado . De un plumazo, y esto es lo imposible, y ésta es la experiencia poemática. No conocías todavía el corazón, así lo aprendes. Con esta experiencia y con esta expresión. Llamo poema a eso mismo que aprende el corazón, eso que inventa el corazón, en fin eso que la palabra del corazón parece querer decir y que en mi lengua discierno mal de la palabra corazón. Corazón en el poema «apprendre par coeur» (que hay que aprender par coeur) ya no nombra solamente la pura interioridad, la espontaneidad independiente, la libertad de conmoverse activamente al reproducir la huella amada (…). Así, pues: el corazón te late, nacimiento del ritmo, más allá de las oposiciones, del adentro y del afuera, de la representación consciente y del archivo abandonado. Un corazón allí, entre los senderos o las autopistas, fuera de tu presencia, humilde, cerca de la tierra, bien abajo.”
…
“Sin sujeto. quizás hay poema y que se deja, pero yo no lo escribo nunca. A un poema yo no lo firmo nunca. El otro firma . El yo está solamente a la llegada de ese deseo aprender par coeur. Tenso para compendiarse en su propio apoyo, de este modo sin apoyo exterior, sin substancia, sin sujeto, absoluto de la escritura en sí, el «par coeur» se deja elegir más allá del cuerpo, del sexo, de la boca y de los ojos, borra los bordes, se escapa de las manos, apenas lo puedes oír, pero nos enseña el corazón. Filiación, prenda de elección confiada en herencia, puede adherirse a cualquier palabra, a la cosa, viviente o no, al nombre de erizo por ejemplo, entre vida y muerte, a la caída de la noche o al romper del día, apocalipsis distraído, propio y común, público y secreto.”
o medo de levar a fotografia a sério é, na verdade, o medo de ser capturada por ela, de ficar presa nela, de ter toda sorte de tempo roubada por ela… e de nela enquadrar o mundo dissipado, eneblinado… e de por ela ser prevista como em outros preto & brancos [Woodmann, Arbus, Mendieta… who else?], e de ser transformada em sais de prata hipersensíveis à luz que, quando superexpostos, perdem o grão para uma sombra amorfa; o medo é o de aceitar, com rigor e resignação, o destino de quem sente o peso do mundo em 35 mm.
a máquina em que mergulha um homem
sentado em suas dobras de leitura
_páginas amassadas
de um desejo jugular_
reclama sua envergadura
desnovelada do inverso das costas
onde toda sorte de sorte
e toda falta da falta
inscreve seu ciclo infinito
de explosões cotidianas:
a máquina e seus milímetros
expelidos no tempo
no tecido do mundo que escorre
entre pássaros desperdiçados
naquele caminho
que volta à casa.
ilford 400, p&b, tudo testado na câmera “emprestada” do João, uma incrível Minolta com olhos de zoom, enquanto minha Mirage descansa o olhar. o próximo filme promte ser mais íntimo da nova ferramenta. clique pra ver como ficou 😉
vi meu corpo se explicar
e toda natureza se curvar e
todo vício desdobrar das juntas
separadas pelas íntimas
reticências esquerdas de um copo
{o andamento de Paris
que sustenta cada milímetro que
se expele no tempo de
depuração dos astros e
derrama toda causa sem causa que
vejo meu corpo explicar
no corpo de todas as coisas que nos cercam o tempo parece ser uma espessura modulada de acordo com as densidades das matérias de cada uma delas. é dos homens o tempo dos ponteiros, com números criados para controlar tudo aquilo que nos rege a vida sob a constelação calcária e que não temos controle. assim como é do corpo [que corpo?] o tempo do fuso {voar contra o tempo e contra as horas e contra as águas e repetir o mesmo dia por dias para se chegar no lugar onde a inscrição da temporalidade implica em uma perda da própria noção de tempo. desenganar um doente é dar-lhe o tempo de vida que os vivos não têm. dizer o tempo como condição para que algo engrene ou se rarefaça é humilhar-se diante da impossibilidade de fazê-lo à revelia do tempo, porque a ideia da inexatidão do tempo é o sedimento que nos move à próxima paisagem.
lembro de pensar o tempo, a coisa do fuso, o corpo no tempo e o corpo do tempo no dia de pegar um avião para sobrevoar o atlântico contra o tempo e “qual não foi minha surpresa quando”, no exato dia de voar, li este post no No Limiar, que se comunicava delicadamente com cada sensação daquele dia. achei místico 😉
e a fotografia, que sempre me pareceu uma resposta violenta ao tempo?
céu sobre céu kinda mer {foto clichê tirada [por mim] da janela de um avião sobre o Atlântico, em 2009 _tmax 400/ mirage k2mil
É impressionamentemente cristalino, para mim, perceber o trabalho da artista plástica Ana Mendieta como uma extensão física de seu corpo melancólico.
E o que pretendo com esse texto não é um estudo, nem uma análise de seu trabalho/processo, mas observações que possam ser úteis para um projeto de pesquisa que possivelmente relacionará corpo, melancolia, erotismo & poéticas [o poema, a fotografia, o registro imagético-poético do corpo (a música, talvez?)]; o produto físico dessa junção em forma, movimento, tempo e lugar. Esquizo e deveras cru, aqui está exposto.
[Abrindo um pequeno _e muito justo_ colchete sobre como cheguei à Mendieta: durante uma inusitada cena doméstica, a Erika me disse que eu adoraria conhecer o trabalho de Ana Mendieta, que era a minha cara. Voilà, chamamos o Lucas, nosso grande conoisseur das fine arts, que sabia onde estava o livro (“Cecil, é realmente a sua cara!”) e lá me deparei com Unseen Mendieta – The Unpublished Works of Ana Mendieta. O que vi foi sangue, cinza, morte, nudez, sacrifício e o registro físico de uma impotência para com o próprio corpo.]
Alguns vídeos encontrados na internet, que mostram Mendieta durante seus processos, revelam certa inabilidade da artista com o próprio corpo e com o mundo ao seu redor. A impressão é a de que, via corpo, ela estivesse a buscar alguma ligação com a realidade, já que parecia sentir-se não muito parte do ambiente que a cercava. O aparente desentendimento de Mendieta com seu corpo, e a tentativa de apreendê-lo, de alçá-lo de fora, de manipulá-lo, deformá-lo, transformá-lo em algo que pudesse ser tocado, sobretudo por ela mesma, ganhou uma dimensão estética interessante e, desde que passei a observar seu trabalho, fui confirmando essas e outras impressões.
Ana Mendieta nasceu em Cuba, em 1948. Filha de poderosos políticos cubanos, foi criada em um grupo social privilegiado e sua infância foi cercada de ricas experiências com a cultura latina. Logo depois da revolução cubana de 1959 Mendieta foi enviada _ainda novíssima, aos 13_ para Iowa em uma missão católica que tinha como objetivo ajudar jovens cubanos a escaparem da doutrinação comunista. Consta que foi a partir daí que Mendieta passou a vivenciar uma realidade brutal de discriminação, rejeição e abuso.
Mendieta não tinha parentes nos Estados Unidos, morou em várias instituições, inclusive as que abrigavam jovens com deficiências mentais ou com tendências criminosas. A adolescência foi assim instável, sob o signo do abandono. Em 1966 ela se reconectou com sua mãe, deu início aos estudos em belas artes e passou a esboçar a materialização da questão do não-lugar, do abandono, do não-pertencimento a alguma cultura. Logo depois, 15 anos após o rompimento, Mendieta voltou a se reconectar com a cultura de onde veio, relacionando-se com a comunidade cubana em Miami. E, já nos 80, Mendieta embarcou para Cuba onde passou a desmistificar o medo e o estranhamento ao único lugar a que se sentia pertencer. Ela escreve: “Estava com medo antes de ir, porque sinto que aqui tenho vivido com essa coisa obsessiva na cabeça _e se eu me der conta de que isso não tem nada a ver comigo? Mas no minuto em que cheguei lá foi toda essa coisa de pertencer novamente” (Blocker, 1999, Viso 2004).
A partir desses dados fica evidente a questão da busca por uma identidade, diretamente ligada ao espaço cultural interrompido e violentado de Ana Mendieta, do processo perceptivo deslocado e brutalizado pela artista. Toda a efemeridade de seu trabalho me leva um pouco a este lugar da melancolia, um não-lugar onde Mendieta parece tentar se entender com seu corpo para dizer que ele é seu elo com o mundo com o qual não consegue se comunicar.
Não me cabe, aqui, descrever estes trabalhos ou dissecá-los, mas apenas tomar a questão da estrutura temporal do processo perceptivo de Ana Mendieta como algo derivado de uma sombra muito dura, semelhante à da fotógrafa Francesca Woodman, semelhante à do poeta Paul Celan… indo mais longe talvez a música de Elliott Smith e de Fiona Apple também cheguem perto desse lugar, para ser bem contemporânea.
Mendieta carimbou paredes com seu corpo embebido em sangue de animais, ateou fogo na sombra de seu corpo sobre a terra, cobriu-se com penas, deformou-se para fotografar-se. E a não-surpresa de suicidar-se como obra última: em 85, jogou-se da janela de seu apartamento em Nova York. Na vida vida curta como artista, Mendieta deixou um grande e reconhecido legado.
Seu corpo ficou aqui, ambíguo, erodido, sob a iminência do desaparecimento pelo tempo [dada a natureza de seu processo estruturado em presença-ausência, sombra-cicatriz], sacrificado, silente [será?] e com uma temperatura melancólica elevada e constante.
Há muito o que falar, pensar e perceber sobre ela, mas por enquanto fico por aqui, tentando ver por onde irão os tentáculos dessas observações.
pela fresta
mínima
janela
o mundo se derrama
flui
pássaros migram
descontinentes
aninham-se
no outro
estranho conhecido
pouso
assimilado
pelo bálsamo
da natureza
que expande
esplende
& [nunca]
se conclui.
uma de minhas fotógrafas favoritas, a americana Francesca Woodman cometeu suicídio aos 22 anos, em 1981. a maneira como expunha seu corpo e o fotografava sempre me despertaram certa angústia. tudo em seu trabalho parece ser um coágulo indissolúvel, algo encalacrado no que poderia ser a dor de se estar viva. Francesca, em suas fotografias, sempre me passa essa impressão de que viver _sua vida_ dói, de que suas sombras têm uma espessura de lacuna. e se lançar da janela de seu apartamento em Nova York foi uma espécie de cura para o que parecia vir do lugar de uma melancolia.
aqui o crítico de arte Fernando Castro Florez fala um pouco dela:
aqui tem um vídeo com um pout-pourri de suas fotografias em P&B:
onde descobri Francesca? em “Antes da Queda”, um dos espetáculos de dança contemporânea mais marcantes da minha vida. lembro de sair aos prantos, soluçando, de tão emocionada que fiquei com a dança e todo o corpo de Juliana Moraes, a bailarina e coreógrafa da Cia. Perdida. inspirada no trabalho da fotógrafa, Juliana deu vida a cada uma das imagens com um trabalho minucioso de corpo; cada movimento, cada tensionada de dedos dos pés e das mãos, cada queda, cada farfalhar de cabelos, cada esboço de corpo sobre corpo sobre móvel, cada colisão, cada cena… era emocionante. de perder o fôlego, sobretudo com a trilha sonora minimalista assinada por Jonas Tatit.
palhinha:
este ano o diretor Scott Willis fez um documentário sobre a família de Francesca, “The Woodmans”. pode ser visto na íntegra aqui. [valeu Luluzinha :~]
isso tudo me lembra o primeiro vestibular. minha primeira opção era para o curso de Comunicação e Artes do Corpo, na PUC_SP {eu até passei, mas morava muito longe e ninguém deixou que me mudasse sozinha para a cidade grande. anos depois vejo que não adiantou nada: a busca permanece a mesma e eu já troquei duas vezes de cidade grande. rs}.
do oásis da minha ignorância descobri Ponge. assim, totalmente ao acaso. e fiquei tão emocionada com o que li que, na época, fotografei as páginas em questão para enviar a mim mesma o regitro do que poderia-se dizer epifania… e de, claro, uma certa mágoa: “poxa, como ninguém me mostrou isso antes se ‘todo mundo’ já conhecia?”
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merci Merleau! achei esse livro numa compra aleatória e despretensiosa na Prefácio, no começo do ano. Conversas – 1948 [sete conferências de Maurice Merleau-Ponty encomendadas pela Rádio Nacional Francesa e transmitidas pela rede Programa Nacional de Radiodifusão francesa (RDF) no final de 48 e conservadas no Institut National de l’Audiovisuel para uso de pesquisadores].
Nessa parte do livro ele fala de como a nossa relação com as coisas não é distante, cada coisa nos fala ao corpo e à vida revestida de características humanas; que em nós essas coisas vivem como emblemas do que gostamos ou detestamos, investidos que estamos nelas, investidas de nós. Assim ele o explica citando essa passagem sobre a água, de Francis Ponge, no livro O partido das coisas [Le Parti pris des choses], que fui correndo pegar emprestado com o Ismar pra derreter mais um pouco.
água me lembra chuva, chuva me lembra A Watery Day, do adorável violinista canadense Owen Pallett:
enfim, o resumo da ópera: nesse dia eu entendi minha paixão pela estética. nesse dia eu entendi meu apreço pelas coisas sensíveis. nesse dia eu entendi que a percepção de Ponge esbarra onde a minha apreende o cris das coisas. nesse dia eu entendi que precisava ler A fenomenologia da percepção, do MP, e, “qual não foi nossa surpresa quando”, semana passada, encontrei um exemplar no Beta de Aquarius [obrigada, Carlito, por comprar meus botões e inteirar o que faltava. tá muito priceless ler isso <3].
La Petite Épître au roi foi escrita em 1518, por Clément Marot, e é uma bem-humorada epístola ao rei François 1er sobre o rimar. Não lembro o que ele queria com isso, mas era algo do rei rs. Fizeram uma animação bonitinha, com uns desenhos infantis, para ilustrar o poema musicado [essas coisas “sem dono” da internet: não consegui saber de quem é a música 😦 mas achei que fits com o humor!]:
Terry Riley, um dos pais do Minimalismo na música ao lado de LaMonte Young, Steve Reich e Philip Glass, é o compositor da minha adorada In C [1964].
Sua partitura é composta por fragmentos de diferentes durações, superpostos e adicionados enquanto executados contra um pulso comum. São 53 frases musicais que podem ser repetidas à exaustão, e por diferentes instrumentos, pois a peça não tem duração definida no papel.
Como tantas coisas da vida, ela começa e termina no acaso de si mesma 😉 Aqui, o trio americano Bang on a Can [Michael Gordon, David Lang & Julia Wolfe] mostra o resultado sonoro da partitura acima:
Ela começa em C [dó] e pode durar de 15 minutos a uma eternidade. Só depende da animação de seus “jogadores”.
esse infinito que rebola
no lusco-fusco do teu olhar
ascende meu incêndio infantil
de afogar os planetas
e orbitar entre eles
com um gosto azul-revolto
sob a língua & a valsa
quando mercúrio toca.
“Desde a época de Descartes, pelo menos, a humanidade moderna fez do voto de sobrevivência e de imortalidade um elemento dentro de um programa geral de ‘domínio e posse da natureza’. Ela programou, assim, uma estrangeiridade crescente da ‘natureza’. Ela reavivou a estrangeiridade absoluta do duplo enigma da mortalidade e da imortalidade. O que as religiões representavam, ela a elevou à potência de uma técnica que recusa o fim em todos os sentidos da expressão: prolongando o término, ela expõe uma ausência de fim: qual vida prolongar, com que objetivo? Diferir a morte é também exibi-la, sublinhá-la.
É preciso, somente, dizer que a humanidade nunca esteve preparada de alguma maneira para essa questão, e que seu despreparo para a morte é apenas a própria morte: seu golpe e sua injustiça.
(…)
O intruso não é um outro senão eu mesmo e o homem ele mesmo. Não é um outro que o mesmo que nunca termina de alterar-se, ao mesmo tempo aguçado e esgotado, desnudado e superequipado, intruso no mundo assim como em si mesmo, inquietante ímpeto do estranho, conatus de uma infinidade excrescente.”
Jean-Luc Nancy em L’intrus.
Este texto foi publicado pela primeira vez como resposta ao convite feito por Abdelwahab Meddeb para participar, em sua revista Dédale, da edição “A vinda do estrangeiro” (nº 9-10, Paris, Maisonneuve et Larose, 1999).
Quem traduziu e me mandou foi o Aluisio. Fiz um simpático upload no Scribd, claro!
no dia de esvaziamento craniano mais agudo, quarta passada as knewn as 26/10, resolvi me apegar àlguma forma para dar lugar a um “poema” que julgava prolixo. over. deveras discursivo. demais. aí o dividi em 15 rigorosos haicais [5-7-5] e os dispus em uma espécie de dobradura origamática. c’est ça :
o original era isso:
toda música francesa é meio em loop
ai que saudade
de molhar o divã,
zombar de Courbet,
ler Lacan na cama
e tornar a molhar o divã;
do boeuf bourguignon
feito no foguinho de acampamento
na cozinha de casa
antes de devorar madeleines
com aquele meu jeitinho rústico
que você adorava, mas queria consertar
molhando o divã;
saudades da sua pélvis
com cheiro de omo progress
e do desejo de sodomizar adolescentes
ou ser enganado
por um par de seios falsos,
mas mesmo assim molhar o divã;
saudades da sequência de asceses
pela experiência do corpo
que molharam nosso tempo
e o tal divã;
ai que saudade…
de querer comer garotas
e você não deixar,
de ser trancada em casa, afinal,
você e os livros já sabiam tudo
e podiam me contar;
saudades de sangrar sorrindo pela casa
de não saber o que era bom
ou ruim
e as letras choverem alegres sobre o acaso
do meu analfabetismo funcional
até você me explicar que bataille não era batalha em francês.
e eu aprender uma língua nova
e fugir pela escada de incêndio gritando: hélas, hélas!
e antes mesmo de conseguir atravessar a rua
enxarcar-me até os joelhos.
Desde 2003, quando ouvi o álbum Pianoworks [tocado pelo pianista John Tilbury] pela primeira vez, venho tentando encontrar coisas na internet sobre o compositor Howard Skempton. Quase em vão. O disco, aliás, fez parte da penúltima partilha de bens e nunca, nunca, nunca mais consegui encontrar outro. Ele não era meu, anyways, embora eu fosse mais dele. Anos se passaram e, bom, a internet pôde ser um pouco mais recheada.
Aqui Branka Parlic executa, com a delicadeza que merecem, as curtinhas Saltaire Melody, Sweet Chariot e Well, Well Cornelius; todas desse mesmo Pianoworks. Voilá:
Já aqui há desses recheios inesperados. Um simpático senhorzinho toca sua versão no acordeon para Cakes & Ale, composta por Skempton em 84 e dedicada ao amigo e compositor contemporâneo Christian Wolff.
Se alguém encontrar esse disco em algum sebo, por favor, me avise 🙂 Ainda não achei torrent disponível ou coisa que o valha na web! Ó a capa:
Lou Salomé reins Friedrich Nietzsche and Paul Ree in front of her cart [1882]
Fotografia de Paul Ree tirada no estúdio de Jules Bonnet, em Lucerne, entre 13 & 16 de maio de 1882. Em posse de um esquivo chicotinho, Lou segura as rédeas de Nietzsche e Ree, que mancomunaram a foto depois de ela rejeitar propostas de casamento de ambos.
Oblíquo o meu olhar, gesto e o jogo
que musical desmantela em volta o espaço
e retira à carne seu subjectivo desejo
cego, visão do inenarrável, seus perfumes.
Oblíquo o meu olho e o inquieto instante
a própria luz que aponta e beija com ardor
tuas ancas de canela na oblíqua esteira
oblíqua a tua lenda, invisíveis tuas barcas
no embalo lento da monção dos sentidos,
sobreimpressar inscrevendo-se no meu corpo
oblíquo o teu olhar, o híbrido veio insaciável
como o próprio eco das vagas contra a muralha
da fortaleza, abrindo-se a meus assaltos
mudos, minerais, fragmentando oblíquo poente1
aí você olha esse título e pensa “quem será Kaponz?” não, não é nada do que se está pensando. ou quase.
uma das coisas mais legais de seguir, pelo google reader, toda e qualquer atualização na web com a palavra “Spinoza” me levou a esbarrar numa duplinha francesa de rock, Kaponz & Spinoza. risos. de cara me deparei com um show dos bonitinhos no La Gigale ❤ passei um mês vivendo no prédio ao lado, sobre o Cafe la Gigale, onde moravam somente os funcionários das duas casas, os de longa data, como se fossem patrimônio daquele pedacinho de Pigalle, um que escapa pelas frestas das madrugadas ainda que tão transformado pelos anos. descia todos os dias a Rue de Martyrs em meio a muitos carrinhos de bebê empurrados por pais lindos & jovens _dizem que esse é o retrato de la nouvelle bourgeoisie parisienne_ para tomar o café “de sempre” e começar o dia daquele sempre de mentira. Voilá! voltando ao rock, bb, fui procurar saber mais sobre o tal roqueiro Spinoza, crente que ia encontrar um Pescado Rabioso francês, setentinha e tudo, a julgar pelo visual dos garotos, até, mas não.
não importa.
porque algum dor-de-cotovelista fez uma coisa muito bonitinha: um vídeo com uma música dos meninos, a única em inglês, com a maior pinta de vento-de-verão, e ilustrou com um poema do Paul Éluard que eu adoro:
SEQUÊNCIA [1]
Para o esplendor do dia felicidades no ar
Para viver tranquilamente gostos cores
Para se regalar amores para rir
Para abrir os olhos no derradeiro instante
Ela tem todas as complacências.
tradução de Eclair Antonio Almeida Filho, catei na Zunái – não sei se gosto da tradução, mas não me arrisco a fazer melhor
andei lendo muito Éluard. e Prévert. troquei um pelo outro e “qual não foi minha surpresa quando” me deparei com isto:
Lamento de Vincent a Paul Éluard
Em Arles onde corre o Ródano
Na atroz luz do meio-dia
Um homem de fósforo e sangue
Solta um grito obsessivo
Como uma mulher que pare o filho
E o lençol fica todo vermelho
E o homem sai de casa gritando
Perseguido pelo sol
Pelo sol amarelo estridente
No bordel próximo ao Ródano
O homem chega como se rei mago
Trazendo um absurdo presente
Tem o olhar azul e calmo
O verdadeiro olhar lúcido e louco
Dos que dão tudo à vida
Tudo e não têm ciúmes
E ele mostra à pobre mocinha
Sua orelha deitada no pano
E ela chora sem nada compreender
Sonhando com tristes presságios
E olha para ela sem ousar pegar
A terrível e terna concha
Em que os gritos do amor morto
E as vozes inumanas da arte
Se misturam com os murmúrios do mar
E vão morrer no assoalho
No quarto em que o edredom vermelho
De um vermelho súbito chocante
Mistura esse vermelho tão vermelho
Ao sangue ainda mais vermelho
De Vincent já meio-morto
E qual imagem piedosa
Da miséria e do amor
A mocinha nua sozinha sem idade
Olha o pobre Vincent
Fulminado pela sua própria tempestade
Que cai pelo chão
Em cima do mais belo quadro seu
E a tempestade se vai acalmada indiferente
Rolando diante dele os grandes barris de sangue
A fulgurante tempestade do gênio de Vincent
E Vincent fica ali dormindo sonhando rugindo
E o sol em cima do bordel
Como uma laranja louca num deserto sem nome
O sol sobre Arles
Rugindo gira em torno de si.
peça-gracinha minimalista que Steve Reich escreveu em 72 com o desejo de fazer uma música que prescindisse de instrumentos para além do próprio corpo humano.
Homens faziam sempre [imitados por outros]
mais depressa do que a mão desenha.
Sua última trincheira, o rosto humano; local de um crime deserto
_indícios numa competição esportiva
no mesmo local
com a mesma trajetória como efeito:
a morte de um homem.
O primeiro ato seria a execução de um teste;
nenhum intérprete se insere sua própria ação.
vacilo nos véus de ternura
do nosso acaso de
{a sós na mesa cheia e
a cada letra balbuciada
sobre a pálpebra
a falência de um órgão
de um verbo
de um fio de cabelo rumo ao chão
do copo até a espessura
do que se vê ou diz
ruir em sentido} derreter papéis.
O próximo lançamento da Confraria do Vento vem com uma foto minha na capa ❤
Fiz em Lisboa, no final de 2010, na Baixa. Dei carta branca pro Márcio usar as minhas fotos [todas analógicas, tenho gosto especial pelas pebês]. A original aqui.
Arvo Pärt, um dos meus compositores favoritos [as missas são de perder a noção de tempo & espaço :~], é responsável por uma das músicas que mais amo na vida, Spiegel im Spiegel [Espelho(s) no Espelho, em alemão], que reproduz a partir das tônicas de suas tríades o ciclo infinito de imgens produzidas por espelhos planos paralelos; esse ecos intermináveis. Essa música é de uma delicadeza e de uma força que me fascina desde que conheço Arvo, espelhos & a melancolia. Me sinto escrita nessa partitura. Coloquei ela numa coleta chamada “Mar de Coisa” [subo em breve] que também dei pro Chico, que achou uma versão bucólica dela, feita por esse grupo Esmerine… Fui ouvir outras coisas e gostei ❤ Segundo o Gas, se é Constellation Records já começa bem 🙂 Gostei das outras músicas…
pedi
para você ler A Carta:
e você disse
que se sentia
dissecando
um animal vivo
quando na verdade
vivo era o animal
que eu dissecava
enquanto você
lia A Carta
com [meus] dedos
executando
o brim..
Um dos momentos mais arrebatadores da minha temporada paulistana [2009?] _e este eu devo agradecer à doce Luiza_ foi assistir à “Sagração da Primavera” no teatro Alfa, dançada pela Tanztheater Wuppertal, na coreografia recriada por Pina Bausch, lá em 1975, com a trilha original de Stravinsky.
Tanto nos movimentos de Pina Bausch, quanto na histeria da partitura de Stravinsky, a chegada da primavera é violenta e convulsiva; no palco, bailarinos são tingidos de lama ao longo do espetáculo e… foi aí que pela primeira vez na vida cheguei perto de algo similar à Síndrome de Stendhal. Acho que a dança é a forma de arte que mais mexe comigo. “Dansez, dansez… sinon nous sommes perdus!”, dizia Pina. E eu gosto de dançar, ainda que paradinha.
E eis que a Babee me aparece hoje com essa maravilha que me arrancou umas lágrimas:
“Pina”, um filme feito por Wim Wenders para Pina Bausch. Prevejo outro arrebatamento {Wenders, Stravinsky, la Bausch e o Tanztheater Wuppertal num mesmo evento é demais para o meu coração surrado}.
isso a que o mundo me obriga
: ser um pedaço de carne
indecepável da ideia
de um pedaço de carne
e como carne
cumprir as exigências:
dependurar-me na vitrine
de ganchos diletantes,
doar-me inteira ao
sutil carinho das moscas
{deixar que depositem seus ovos}
engravidar delas para, enfim,
inchar as fibras entre os dentes de alguém
verter o balé das hemáceas sobre a língua
de alguém ou
putrefar num coliseu de porcelana
desejada pelos olhos
que hão de me comer;
Elsa era irmã mais nova de Lili. Elsa tinha ciúmes de Lili. Elsa começou a namorar Vladmir. Vladmir trocou Elsa por Lili. Vladmir casou-se com Lili. Elsa mudou-se para Paris. Vladmir mudou-se para Paris, onde conheceu Tatiana e… Ficou obcecado por ela. Vladmir morreu de Tatiana e Agnès Varda fez um curta sobre Elsa, grande amor de Aragon, outro homem obcecado…